quarta-feira, 19 de setembro de 2012

TOLKIEN WEEK - A fé na Igreja


Dentro do especial TOLKIEN WEEK, vou trazer trechos de uma belíssima carta escrita do J.R.R. Tolkien escrita e enviada ao seu filho Michael Tolkien, em que trata sobre aspecto de fé. Vale a pena a leitura até o final, e para "auxiliar" fiz o destaque (negrito) em algumas partes.

Esta carta é a de nº 250 do livro As Cartas de J.R.R. Tolkien, foi publicado no Brasil pela Editora Arte & Letra, traduzido por Gabriel O. Brum (da Equipe Valinor) e pode ser adquirido neste LINK.


250. Para Michael Tolkien 1 de Novembro de 1963

(...) Contudo, você fala de "fé alquebrada". Isso é completamente outra questão: em último caso, a fé é um ato de vontade, inspirado por amor. Nosso amor pode ser esfriado e nossa vontade desgastada pela demonstração de deficiências, tolice e até mesmo pecados da Igreja e seus ministros, mas não acredito que alguém que já teve fé retroceda por essas razões (menos de todos alguém com qualquer conhecimento histórico). "Escândalo" no máximo é uma ocasião de tentação - como é a indecência à luxúria, que não a cria mas a estimula. É conveniente porque tende a desviar nossos olhos de nós mesmos e de nossas falhas para encontrar um bode expiatório. Mas o ato de vontade da fé não é um único momento de decisão final: é um ato > estado permanente indefinidamente repetido que deve continuar - de modo que oramos pela "perseverança final". A tentação à "descrença" (que realmente significa rejeição de Nosso Senhor e de Suas afirmações) está sempre lá dentro de nós. Parte de nós anseia em encontrar uma desculpa para tal fora de nós. Quanto mais forte a tentação interna, mais fácil e severamente ficaremos "escandalizados" com os outros. Creio que sou tão sensível quanto você (ou qualquer outro cristão) aos "escândalos", tanto do clero quanto da laicidade. Sofri dolorosamente em minha vida com padres estúpidos, cansados, apagados e até mesmo maus; mas agora sei o suficiente sobre mim para estar ciente de que não devo deixar a Igreja (que para mim significaria abandonar a lealdade ao Nosso Senhor) por semelhantes razões: eu deveria deixar caso não acreditasse e não mais acreditaria, mesmo se eu nunca tivesse encontrado qualquer um nas ordens que não fosse tão sábio como pio. Eu deveria negar o Sagrado Sacramento, isto é: chamar Nosso Senhor de fraude em Sua face.

Se Ele for uma fraude e os Evangelhos fraudulentos - isto é: relatos deturpados de um megalomaníaco demente (que é a única alternativa), então obviamente o espetáculo exibido pela Igreja (no sentido do clero) na história é simplesmente evidência de uma gigantesca fraude. Contudo, caso não seja, então este espetáculo infelizmente é apenas o que de se devia esperar: começou antes da primeira Páscoa e não afeta a de modo algum - exceto que podemos e deveríamos ser profundamente pesarosos. Mas deveríamos nos afligir em nome de nosso Senhor e por Ele, associando a nós mesmo aos escandalizadores, não aos santos, e não gritando que não podemos "suportar" Judas Iscariotes, ou mesmo o absurdo e covarde Simão Pedro, ou as mulheres tolas como a mãe de Tiago, tentando pressionar seus filhos.

É necessária uma fantástica vontade de descrença para supor que Jesus realmente nunca "aconteceu", e mais para supor que Ele não disse as coisas registradas sobre ele - tão incapaz de serem "inventadas" por qualquer pessoa naquela época: tal como "- Antes que Abraão fosse feito, eu sou"' (João viii). "- Aquele que me viu, viu o Pai" (João ix); ou a promulgação do Sagrado Sacramento em João v: "- O que come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna". Portanto, nós devemos ou acreditar Nele e no que disse e arcar com as conseqüências; ou rejeitá-lo e arcar com as conseqüências. Pessoalmente acho difícil acreditar que alguém que esteve na Comunhão, mesmo uma vez, pelo menos com a intenção certa, possa rejeitá-Lo sem grave culpa. (No entanto, só Ele conhece cada alma única e suas circunstâncias.)

A única cura para o alquebramento da fé débil é a Comunhão. Apesar de sempre em Si próprio perfeito e complexo e inviolável, o Sagrado Sacramento não opera completamente e de uma vez por todas em qualquer um de nós. Como o ato de Fé, ele deve ser contínuo e cultivado pelo exercício. A frequência é o maior efeito. Sete vezes por semana é mais acalentador do que sete vezes a intervalos. Recomendo também isto como um exercício (infelizmente muito fácil de se encontrar a oportunidade para tal): faça sua comunhão em circunstâncias que afrontem seu gosto. Escolha um padre fanho ou gago ou um frade orgulhoso e vulgar; e uma igreja repleta da usual multidão burguesa, com crianças malcomportadas – daquelas que gritam àqueles produtos de escolas católicas que no momento em que o tabernáculo é aberto recostam-se e bocejam – , jovens sem gravata e sujos, mulheres de calças e frequentemente com o cabelo despenteado e descoberto. Vá à Comunhão com eles (e reze por eles). Será exatamente (ou melhor) como uma missa conduzida por um homem visivelmente santo e compartilhada por algumas pessoas devotas e decorosas. (Não poderia ser pior do que a bagunça da alimentação dos Cinco Mil – após a qual [Nosso] Senhor propôs a alimentação que estava por vir.)

Eu mesmo estou convencido das afirmações petrinas, tampouco olhando ao redor do mundo parece haver muita dúvida de qual (se o cristianismo for verdadeiro) é a Verdadeira Igreja, o templo do Espírito* moribundo mas vivo, corrupto mas sagrado, auto-reformista e que se reergue. Mas para mim, aquela Igreja de que o Papa é o chefe reconhecido na terra possui como afirmação principal que é a única que sempre defendeu (e ainda defende) o Sagrado Sacramento e deu-lhe as maiores honras e colocou-o (como Cristo claramente pretendia) em primeiro lugar. " - Alimente meu rebanho" foi Sua última incumbência a S. Pedro; e visto que Suas palavras são sempre as primeiras a serem compreendidas literalmente, suponho que se referem primeiramente ao Pão da Vida. Foi contra isto que a revolta oeste-européia (ou Reforma) foi realmente lançada - "a fábula blasfema da Missa" - e a fé/obras são apenas uma mera distração. Acredito que a maior reforma de nosso tempo foi aquela executada por S. Pio X [1] ; ultrapassando qualquer coisa, por mais necessária que seja, que o Concílio [2] alcançará. Pergunto-me que estado da Igreja agora se não fosse por esta reforma.

(...) Porém, apaixonei-me pelo Sagrado Sacramento desde o início – e pela misericórdia de Deus nunca deixei de amá-lo (...)

* Não que se deva esquecer as sábias palavras de Charles Williams, que é a nossa obrigação zelar pelo altar reconhecido e estabelecido, embora o Espírito Santo possa enviar o fogo a outro lugar. Deus não pode ser limitado (mesmo por suas próprias Fundações) - das quais S. Paulo é o primeiro e principal exemplo - e pode usar qualquer canal para Sua graça. Mesmo amar Nosso Senhor, e certamente chamá-lo Senhor e Deus, é uma graça, e pode trazer mais graça. Entretanto, falando institucionalmente e não de almas individuais, o canal eventualmente deve voltar para seu curso decretado, ou passar para as areias e perecer. Além do Sol deve haver luar (mesmo claro o suficiente para se ler); mas se o Sol fosse removido, não haveria Lua para ver. O que seria o cristianismo agora se a Igreja Romana tivesse de fato sido destruída?

[1] - Possivelmente uma referência à recomendação de Pio X para a comunhão diária e a comunhão das crianças.
[2] - O Segundo Concílio do Vaticano (1962-6).

Um comentário:

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