quinta-feira, 29 de março de 2012

A relativização do Judiciário

Esta semana fui surpreendido por uma daquelas decisões judiciais que nos faz ter vergonha do Judiciário: Acusado de estuprar prostitutas menores é inocentado no STJ. Esta decisão é comprovação de que chegamos a um período da relativização até do que é importante, mesmo que sejam valores que deveriam ser inegociáveis.

Antes de tudo quero fazer uma observação: tenho profundo respeito pelo Judiciário e acredito realmente que temos vários exemplos de magistrados que dignificam sua classe profissional, mesmo aqueles que decidem de forma diversa ao interesse do meu cliente (lembrando que sou advogado que atua na área trabalhista) ... uma coisa é posicionamento jurídico fundamentado, outra coisa é maluquice.

Ainda, o fato de aparecerem denúncias de desvios de conduta de magistrados não deve servir como justificativa para generalizar e se dizer que todos são safados. Assim como em toda e qualquer atividade profissional existem bons e maus exemplos.

Feito este registro, volto ao assunto.

O relativismo é uma doutrina que prega que algo é relativo, contrário de uma ideia absoluta, categórica. Atitude ou doutrina que afirma que as verdades (morais, religiosas, políticas, científicas, etc.) variam conforme a época, o lugar, o grupo social e os indivíduos de cada lugar.

O que o judiciário (Vara Criminal, Tribunal de Justiça de São Paulo e STJ) fez foi relativizar a lei ao inocentar o acusado de estupro, e isto está claro quando vemos o que disse a Ministra Relatora do processo no STJ:

Minª Maria Thereza de Assis Moura
(...) O direito não é estático, devendo, portanto, se amoldar às mudanças sociais, ponderando-as, inclusive e principalmente, no caso em debate, pois a educação sexual dos jovens certamente não é igual, haja vista as diferenças sociais e culturais encontradas em um país de dimensões continentais (...)

Sim, o direito não é e nem deve ser estático, devendo se adaptar às mudanças sociais e culturais, mas alguns preceitos não podem ser negociados ou relativizados.

À época dos fatos o Código Penal (art. 213, parágrafo único) previa que conjunção carnal (fazer sexo) com menor de 14 (catorze) anos era estupro presumido.

Vejam que a lei não fazia nenhuma observação quanto a vítima (se é prostituta, se já mantêm relações sexuais, etc,). NENHUMA!!! O fato das meninas de 12 anos estarem atuando como prostitutas “desde longa data” (conforme consta na notícia publicada) não pode ser servir como justificativa para relativizar a lei ... sim, elas podiam até atuar como prostitutas há algum tempo, mas ainda são crianças.

Não dá nem para dizer que a previsão legal é antiga e desatualizada, pois previsão semelhante consta hoje no Código Penal no artigo 217-A, que foi incluído por meio da Lei nº 12.015 , de 07 de agosto de 2009. Ou seja, trata-se de dispositivo legal que está de acordo com a situação social e cultural do país. Não é uma norma de 1856 que precisa ser atualizada, mas sim uma previsão legal moldada às mudanças sociais atuais.

Outra coisa que me assustou é que as crianças de 12 anos atuavam como prostitutas “desde longa data” ... COMO ASSIM??? Desde quando essas meninas se prostituem??? Quem são os responsáveis por essas crianças??? Estes não sofrerão nenhuma penalidade???

O que chego à conclusão é que se uma criança mantem relações sexuais de forma consentida “desde longa data”, algumas “brilhantes” mentes pensantes do judiciário irão dizer que não foi cometido o crime de pedofilia.

Houve um período da história em que meninas de 10, 11, 12 e 13 anos casavam-se, mantinham relações sexuais e engravidavam. Esta situação ficou no passado e hoje não é mais uma situação aceita. Não é porque a menina já menstrua que a sociedade concorde que ela saia por aí fazendo sexo, pois ainda se trata de uma criança que não tem plena consciência de seus atos.

Muito se combate a sensualização das crianças e uma decisão como esta vai totalmente ao contrário do direito que se procura defender. Como podemos aceitar que um safado mantenha relações sexuais com uma criança e não sofra nenhuma penalidade??? Ele sabia que se tratava de uma criança e que seu ato era errado.

Sei que no Brasil a prostituição não é crime, seja para quem se prostitui ou para os clientes, mas manter relações sexuais com crianças é crime, sejam elas prostitutas ou não!!! Se passarmos a aceitar esta situação como algo “comum e normal”, estaremos relativizando a lei e a moral.

Se a coisa continuar assim, aonde chegaremos?
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Fica autorizada a reprodução integral deste post, desde que citada a fonte conforme texto a seguir:
BRANDALISE, André Luiz de Oliveira, A relativização do Judiciário, publicado em 29/03/12 no blog “André Brandalise” - http://alobrandalise.blogspot.com.br/2012/03/relativizacao-do-judiciario.html

2 comentários:

  1. Muito bem exposto. Eu discutia exatamente nesta linha ontem com um colega de twitter.

    Meu parecer foi:

    1) a mãe de uma delas afirmou que a filha "matava aula ÀS VEZES" para se prostituir, logo ela sabia do fato e não impedia. Isso já é por si s´o muito preocupante. E essa mãe deveria ser punida também, obviamente;

    2) não ficou claro no artigo recente (não acompanhei na época e nem procurei link da matéria original) se o ato sexual foi consentido. Se o foi, o que não é difícil de se imaginar, considerando a condição de prostituição.

    Acho que nem precisaria haver debate sobre o caráter de violência sexual. O que importa, antes, é o crime de pedofilia praticado.
    Isso não foi levado em conta no julgamento?

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  2. Muito bom André. É bom lembrar que é o adulto que deve saber como se portar e não abusar da inocência das crianças.

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